Ele chegou até nós quando a luz, mais doce e luminosa, anunciava a primavera. Invisível, impalpável, omnipresente, desconhecido, podia estar em qualquer sítio, no ar que se respira, no puxador da porta, no teclado do computador, no abraço envolvente, no toque de uma criança. Sim, podia estar em qualquer sítio e era ameaçador. Um vírus, uma ínfima porção de matéria organizada. Percorreu milhares de quilómetros, veio de um mercado longínquo, provavelmente “nasceu” a partir de um morcego e proliferou pelo mundo inteiro.
E, no entanto, já se falava dele, ainda que não se conhecesse a sua fisionomia coroada nem o seu nome. Várias personalidades (entre elas, Bill Gates), várias instituições (por exemplo, a Global Preparedness Monitoring Board, a Organização Mundial de Saúde) já tinham previsto a sua chegada, que arrastaria milhões de mortos e a devastação da economia mundial.
Simples adivinhação? Não, apenas conhecimento! E o que fizemos, o que fizeram os nossos governantes com esse saber?
Agora, alguns meses volvidos, não podemos deixar de pensar que este vírus também pode ser uma oportunidade de mudança. Todos sentimos o quanto somos cidadãos do mundo e não apenas da nossa pequena “aldeia”. Habitamos uma casa, que é a Terra, que tem recursos finitos e fazemos parte dum ecossistema, que tem o seu devir. A saúde, o clima, a cultura, a economia não são bens privados – são bens comuns. Não somos donos do mundo, fazemos parte dele, como os vírus, a água, as árvores, o vento. Tudo está ligado. “O bater de asas de uma borboleta no Japão pode causar um tufão nos Estados Unidos”, dizia Edward Lorenz nos anos 60. Urge construir uma nova maneira de nos habitarmos e de habitarmos o mundo, uma maneira baseada na humildade, no respeito, na solidariedade. Por nós, pela nossa gratidão pelas gerações passadas e pela nossa responsabilidade pelas gerações futuras.