Desde tempos imemoriais que a nossa cultura tem atribuído uma função heurística aos artistas. Efetivamente eles dão corpo a áreas de nós desconhecidas e nas suas obras podemos “escutar” a voz da nossa identidade privada e colectiva.
Freud, ao longo de toda a sua vida, reiterou homenagem aos criadores, essencialmente aos poetas e aos romancistas, que considerava reveladores da alma humana e das profundezas do inconsciente. Quando lhe perguntavam quem tinham sido os seus mestres, costumava responder apontando, nas estantes da sua biblioteca, as obras de Sófocles, Shakespeare, Goethe… Em “Delírio e Sonhos na Gradiva de Jensen” afirma, apoiando-se certamente na sabedoria de Hamlet: “E sublinhemos que os escritores são aliados preciosos, devendo o seu testemunho ser tido em alta consideração já que, entre o céu e a Terra, sabem de muitas e muitas coisas com que a nossa filosofia não ousa sequer sonhar. Dão-nos autênticas lições, a nós, homens vulgares, a respeito do conhecimento da alma, pois vão bebê-lo a fontes ainda inacessíveis à ciência.”
Celebremos, então, os nossos artistas e façamos deles companheiros de viagem no decurso desta pandemia. Com eles podemos descobrir formas expressivas para as incertezas e as dores que nos atravessam e apoio para o relançamento criativo da vida.
S. Freud. (1907/1995). Delírio e Sonhos na Gradiva de Jensen. Lisboa: Gradiva.