As pesquisas realizadas em Portugal, durante os últimos quatro meses, dão-nos pistas sobre as preocupações, as necessidades de esclarecimento e procura de informação acerca de assuntos relacionados com a Covid-19. Ao longo deste tempo observámos a evolução dos padrões de pesquisa, ao acompanharmos diariamente o que foi pesquisado, em Portugal, no Google.
Começámos por notar que numa fase inicial o número de termos pesquisados relacionados com a Covid-19, presentes no top 20, era mais elevado. O que demonstra um interesse e foco maior numa altura em que se sabia menos sobre a doença, que mudanças a pandemia traria ao dia-a-dia, e quais as medidas que iriam ser tomadas pelo Governo.
Nas primeiras semanas, após a declaração do estado de emergência, a preocupação com o número de casos, os locais onde havia mais casos e os sintomas da doença estiveram sempre presentes entre os mais pesquisados. Mas também pesquisas por questões mais práticas ligadas às medidas tomadas pelo Governo, que levaram a grandes mudanças nas rotinas dos portugueses, sobretudo a partir do momento (18 de março) em que foi decretado o estado de emergência.
Os interesses demonstrados nas pesquisas estão frequentemente ligados a anúncios do Governo e entidades responsáveis da área da saúde, bem como a notícias veiculadas pela comunicação social. Mais abaixo podemos observar isso, quando olhamos para o gráfico que mostra a evolução das pesquisas por confinamento e desconfinamento, por exemplo.
Dentro do tema Covid-19 dividimos as pesquisas relacionadas com a Covid-19 em quatro grandes grupos, embora de forma pontual tenha havido pesquisas que fugiram a esta classificação: entidades/órgãos oficiais; personalidades/membros do Governo ou de entidades públicas/políticos; medicamentos, “curas” e doenças; e políticas/medidas tomadas.
As entidades / órgãos oficiais
Desde cedo começaram as pesquisas pelas entidades oficiais, como a Direção-Geral da Saúde (DGS) ou a Organização Mundial de Saúde (OMS), numa tentativa de obter informação oficial sobre a pandemia. O site do Governo “Estamos ON”, criado especificamente para fornecer informação relacionada com a Covid-19, e o Ministério da Saúde também estiveram presentes no top das pesquisas algumas vezes, embora menos que os anteriores.
Desde março até finais de julho, as pesquisas por DGS e OMS nunca cessaram, embora nos últimos meses tenham diminuído, como podemos ver no gráfico abaixo, provavelmente pela menor preocupação com a doença e com o abrandar das medidas de mitigação.
Os medicamentos, “curas” e doenças
Quando se fala doenças, falar de medicamentos e/ou “curas” é natural. A cloroquina ou hidroxicloroquina foi o medicamento mais pesquisado ao longo do tempo (análise das pesquisas entre 1 de março e 27 de julho), até pela polémica que tem causado ao ser apresentado como uma cura para a doença por parte de Jair Bolsonaro e Donald Trump. Ambos os presidentes fazem questão de reforçar, apesar de vários especialistas e estudos negarem, que o medicamento é eficaz e pode curar a Covid-19, sobretudo tendo em conta seus os efeitos secundários nocivos. Apesar das mortes comprovadas provocadas pelo medicamento, o presidente do Brasil, que testou positivo para o coronavírus, não hesitou em dizer que a toma de cloroquina o ajudou na luta contra o vírus. Esta insistência sem fundamento na cloroquina, que tem sido amplamente divulgada pelos meios de comunicação social, pode também contribuir para que seja recorrentemente pesquisada, embora as pesquisas também tenham diminuído ao longo do tempo.
O segundo medicamento que mais pesquisas originou ao longo deste espectro temporal foi o Remdesivir, o antiviral que está a ser testado já algum tempo para uso em doentes Covid-19 com determinados quadros clínicos, e que foi aprovado pelas entidades competentes. Inclusive esta semana foi anunciada, pela Comissão Europeia, a compra de um stock do medicamento para fornecer os países da União Europeia. No gráfico abaixo podemos ver a evolução das pesquisas por estes dois medicamentos, os mais pesquisados, neste contexto.
Mas a procura por soluções para a doença não se ficaram por aqui e aparecem também no top das pesquisas algumas vezes os temros Vitamina D e Nicotina Covid. Ambas são apontadas como possíveis inibidores para contrair o coronavírus, embora não haja evidências científicas.
Para além dos medicamentos, foram também pesquisadas algumas condições e doenças, como por exemplo a Doença de Kawasaki, porque em alguns casos o seu aparecimento parecia estar ligado à Covid-19, com alguns doentes, particularmente crianças, a serem diagnosticados com esta condição após terem tido Covid-19. Esta doença apareceu de forma recorrente, durante algumas semanas, com o pico das pesquisas a ocorrer a 30 de abril.
Políticas/ medidas tomadas
A pandemia trouxe uma série de medidas tomadas pelo Governo que, embora previstas do ponto de vista legal, nunca tinham sido vividas pela maioria dos portugueses e/ou habitantes em Portugal. Estado de emergência, estado de sítio, estado de calamidade, desconfinamento ou confinamento são palavras que não se encontravam no dia-a-dia. Com o decretar do estado de emergência a 18 de março passaram a fazer parte do vocabulário de uso diário, mas pelo desconhecimento que comportavam estiveram no top 20 das pesquisas no Google, sobretudo na fase inicial do confinamento. Estado de emergência foi, destes termos, o mais pesquisado, e podemos ver a evolução das suas pesquisas no gráfico abaixo. Os três distritos onde estado de emergência foi mais pesquisado foram Lisboa, Setúbal e Porto, e onde foi menos pesquisado foi Vila Real.
Após seis semanas em estado de emergência no País, o Governo apresentou, a 30 de abril, o plano de desconfinamento, que entrou em vigor a 4 de maio, e a 29 de maio apresentou a segunda fase do plano. São claros no gráfico abaixo os dois picos de pesquisa por desconfinamento, nos dias 30 de abril e 29 maio. Aqui vemos perfeitamente a relação entre os anúncios do Governo e as pesquisas.
Um termo bastante pesquisado, sobretudo no início do confinamento, foi lay-off. Com a introdução do regime especial de lay-off, a partir de 27 de março, com um pico de pesquisas a 31 de março, data em que foram anunciados os primeiros números de adesão ao programa. Mas como se pode observar na figura abaixo, as pesquisas têm continuado, embora com grandezas menores.
Personalidades/ membros do Governo ou de entidades públicas/ políticos
Ao analisarmos as pesquisas por nomes personalidades/ membros do Governo ou de entidades públicas/ políticos, entre 1 de março e 27 de julho percebemos que há dois nomes que se destacam: Marta Temido (ministra da Saúde) e Graça Freitas (Diretora-Geral da Saúde).
As pesquisas pelos seus nomes acabam por seguir a tendência das pesquisas ligadas à Covid-19, em geral, que é uma diminuição do número de pesquisas à medida que avançamos neste espetro temporal.
Comparámos as pesquisas pelos nomes e pelos cargos, e percebemos que Marta Temido foi mais alvo de pesquisas, em todos os distritos de Portugal, exceto em Castelo Branco, onde Graça Freitas foi mais pesquisada. Percebemos também que as pesquisas foram muito mais feitas pelos nomes, sinal do reconhecimento do nome, do que pelos seus títulos oficiais. Isto sugere uma possível humanização do cargo, e/ ou uma maior familiarização com as suas detentoras. Podemos observar a evolução temporal e comparação no gráfico abaixo.
As tendências das pesquisas podem ajudar-nos a contar uma história e a perceber as dinâmicas de procura de informação. Elas podem também ser usadas por entidades e organizações para compreender as necessidades de informação, quase em tempo real. Deste período ficaram claras as necessidades de informação e o tipo de informação que se procura num acontecimento como este. Isto pode e deve servir para melhorar abordagens no futuro.