Covid-19 foi ‘explosivo’ nas redes sociais mas perdeu impacto ao longo do tempo

Entre o início de março e o final e julho monitorizámos as redes sociais Facebook e Twitter para tentar perceber como é que a pandemia de Covid-19 era tratada nas duas plataformas. Por isso, além dos rankings diários que aqui publicámos desde início de maio, podemos agora fazer um balanço final sobre o que aconteceu nestas duas redes sociais a propósito do coronavírus, nos cinco meses entre 1 de março e 29 de julho de 2020.

E duas conclusões são óbvias. O tema Covid-19 foi verdadeiramente ‘explosivo’ nas redes sociais nos dias seguintes a 10 de março, com muitas publicações a tornarem-se ‘virais’, quer no Facebook, quer no Twitter. No entanto, depois dessa data, o interesse pelo tema – expresso quer pelo número de publicações quer pelas interações conseguidas por cada uma (‘likes’, comentários e partilhas) – foi decrescendo ligeiramente e outros temas foram ocupando parte desse lugar nas preocupações das pessoas. Ou seja, a sociedade civil movimentou-se em larga escala nas redes sociais, sobretudo durante o confinamento, com um gradual desligamento do tema depois disso.

Essa realidade também é visível na grande quantidade de grupos de acompanhamento do tema que surgiram no Facebook nos primeiros dias de março e que tiveram um crescimento vertiginoso (em número de membros e em interações) precisamente durante esses dias em que a procura de informação sobre a Covid-19 era generalizada. No entanto, nestes grupos a tendência de suavização do interesse pelo tema é ainda mais visível e reflete-se tanto na quantidade de publicações como na quantidade de ‘gostos’, comentários e partilhas que conseguem reunir.

Essa curva é também visível no Twitter: o tema Covid-19 era abundante – dominante mesmo – no início de março, mas depois foi decaindo ligeiramente ao longo do tempo, como seria de esperar sem, contudo, deixar de estar presente naquilo que era comentado nesta rede social.

No que concerne à presença das entidades oficiais nas redes sociais, merece destaque o papel desempenhado pala Direção-Geral da Saúde, sobretudo no Facebook, mas também no Twitter. Esta entidade surgiu em destaque como uma das principais fontes de informação para o debate do tema nas redes sociais, inclusivamente destacando-se mais pela interatividade das suas publicações (‘likes’, comentários e partilhas) do que pela quantidade de informações publicadas.

Vejamos em detalhe cada um desses aspetos.

Páginas de Facebook na Covid-19

O pico de publicações no Facebook sobre a Covid-19 aconteceu no mês de março, quando se descobriram os primeiros casos em Portugal, foi decretado o confinamento e a correspondente suspensão das atividades escolares. Estes foram os momentos em que o assunto ganhou mais tração no Facebook, como se pode ver nos dois gráficos abaixo, um para as interações geradas, outro para os as publicações realizadas. No total, entre 1 de março e 29 de julho de 2020 foram publicados, pelas páginas de Facebook portuguesas, 493 mil conteúdos com referências à pandemia de Covid-19, os quais geraram 69 milhões de interações, repartidas entre ‘likes’, comentários e partilhas.

Destaque para os dias 13, 21 e 27 de março, os três picos de interações identificados no primeiro gráfico, com 1,39 milhões, 1,44 milhões e 1,34 milhões de interações, respetivamente. Nos dois primeiros desses dias, o resultado parecer ter sido mais influenciado pela quantidade de publicações sobre o tema do que sobre algum acontecimento em particular. Mas, no dia 27, esse resultado parece claramente ter sido influenciado pelo teste positivo do humorista Fernando Rocha.

Como seria de esperar, tanto a curva das publicações sobre Covid-19 como das interações que elas geraram foram caindo gradualmente desde março até julho, um fenómeno que fomos notando, inclusivamente, nos relatórios publicados todos os dias desde meados de maio.

Quanto às páginas que estiveram mais ativas, entre março e julho, no acompanhamento das matérias relacionadas com a Covid-19, essa é uma matéria que pode ser vista de várias perspetivas (ver tabela abaixo). Assim, quanto ao número de publicações relacionadas com a Covid-19, as páginas da Lusa e do Futebol 365 foram as que mais se destacaram, com 11590 e 10851 posts publicados desde Março, com referências à pandemia. Seguem-se SIC Notícias, Expresso, TVI24 e Notícias ao Minuto. Aliás, neste ranking de quem mais publicou sobre o tema, os meios de comunicação são claramente dominantes. Quanto à quantidade total de interações que essas publicações geraram, os meios de comunicação social também dominam (SIC Notícias, TVI24, Correio da Manhã e Notícias ao Minuto estão todos acima dos dois milhões de interações), mas aqui já encontramos outras entidades, com destaque para a Guarda Nacional Republicana, a Direção-Geral da Saúde e a página pessoal de Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto. Qualquer destas três entidades foi presença assídua na nossa lista das publicações com mais interações em cada dia, o reflexo acaba por ser a presença destacada neste ranking.

Por fim, podemos ainda ver essa questão fazendo o rácio das interações médias por cada publicação emitida sobre o tema Covid-19. E, nesse aspeto, as páginas do humorista Fernando Rocha, do grupo musical Sons do Minho e do “Já Foste” são aquelas que conseguiram ser mais “virais”. A página de Fernando Rocha, por exemplo, publicou apenas quatro publicações sobre a Covid-19, mas cada uma teve, em média, mais de 35 mil interações (‘likes’, comentários e partilhas).

O ranking das publicações sobre a Covid-19 com mais interações – ou seja, aquelas que suscitaram mais interesse junto dos utilizadores do Facebook – reflete isso (ver grafismo abaixo). A publicação que foi a campeã de ‘likes’, comentários e partilhas, entre março e julho, foi uma reação de Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, a uma reportagem da TVI24 que caracterizava a população do Norte como menos educada, mais pobre e mais envelhecida. Esta publicação reuniu 73 mil ‘likes’, 12800 comentários e mais de 40 mil partilhas. As publicações com mais interações a seguir a esta vieram de um monólogo pungente de José Alberto Carvalho na TVI, da crítica aos “cromos da Covid” na Rádio Comercial, do teste positivo do humorista Fernando Rocha, da uma canção alusiva do grupo Sons do Minho e de uma oração do Papa Francisco na Agência Eclesia.

Grupos públicos sobre a Covid-19

Durante esta pandemia, nasceram e cresceram muito rapidamente vários grupos públicos criados e vocacionados para debater as questões relacionadas com a Covid-19. Entende-se por “grupos públicos” todos aqueles aos quais qualquer utilizador pode pertencer, sem necessidade de convite, e cujo conteúdo é inteiramente público. Em termos de quantidade de membros, estes grupos “explodiram” logo a seguir ao início do confinamento (ver tabela seguinte). Vários desses grupos chegaram rapidamente aos milhares de membros e um deles – o grupo “Isolamento Voluntário COVID 19” – atingiu mais de 800 membros ativos.

Os 23 grupos monitorizados (de que a tabela destaca os 10 com mais membros), publicaram uma média de 11 publicações por dia e conseguiram, durante todo o período, mais de 124500 interações (‘likes’, comentários e partilhas). Em geral, o propósito destes grupos – que, recorde-se, são criados pelos próprios utilizadores do Facebook – era prestar esclarecimentos e assistência durante a pandemia e, em particular, durante o isolamento. Um deles destaca mesmo o propósito de proporcionar alojamento e outros serviços solidários para profissionais de saúde.

Como se disse, a atividade neste grupos foi muito intensa nos primeiros dias do confinamento (aliás, a maior parte deles nasceram nessa altura), mas foi decaindo com o tempo depois disso, muito em linha com o que também se notou na atividade das páginas de Facebook, e os temas abordados começaram a extravasar o campo específico da pandemia. Como se pode ver no gráfico abaixo, a quantidade de membros nestes grupos cresceu exponencialmente entre 10 de março e 15 de abril, mas estagnou e até desceu ligeiramente a partir daí.

O reflexo disso são as interações geradas nestes grupos. No gráfico abaixo podemos ver os picos de interações no início de março (pico principal registou-se no dia 14), mas com uma tendência de redução progressiva das interações geradas, refletindo um menor interesse por parte dos utilizadores.

Quanto às publicações mais populares nestes grupos ao longo do período em que os monitorizámos, como seria de esperar as principais foram publicadas no grupo mais numeroso – “Isolamento Voluntário COVID 19”. O grafismo abaixo identifica as três publicações que geraram mais interações durante esse período: uma partilha com mais de 75 mil interações (‘likes’, comentários e partilhas) de uma outra publicação da jornalista Judite de Sousa, em que esta pede a solidariedade dos bancos perante os portugueses durante a crise; o apelo do grupo à própria partilha, que gerou 36500 interações; e outro apelo ao confinamento para todas as pessoas que não fossem necessárias no combate ao coronavírus (neste caso partilhando uma imagem da Polícia de Segurança Pública), com 3.600 interações.

Entidades públicas no combate à Covid-19

Uma outra forma de analisar o Facebook no contexto do combate à pandemia consiste em analisar o papel desempenhado pelas várias entidades que têm por objeto precisamente esse combate. E, nesse quadro, salta à vista o aumento exponencial de visibilidade de que a página oficial de Facebook da Direção-Geral da Saúde beneficiou neste período. Entre 1 de março e 29 de julho de 2020, esta página aumentou o seu número de seguidores em 202% (ver tabela a seguir), passando de menos de 109 mil para 324 mil ‘fãs’ (mais 216 mil seguidores). A página do Serviço Nacional de Saúde também cresceu 19% durante este período, e a Sociedade Portuguesa de Pneumologia aumentou o número de ‘fãs’ em 63%. Fora do Top10 e dentro das 31 páginas monitorizadas durante este período, destaque ainda para as páginas dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (mais 73%), da Escola Nacional de Saúde Pública (mais 19%) e da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (mais 306%).

A página da Direção-Geral da Saúde foi também, de longe, aquela que conseguiu a maior quantidade de interações durante este período, com um milhão e 800 mil entre março e julho, bem acima das 308 mil registadas pela página do Serviço Nacional de Saúde. Aliás, a página da DGS é também aquela que consegue o melhor rácio de interação por cada publicação. Com 634 publicações emanadas da página de Facebook desta entidade entre 1 de março e 29 de julho, a média de interações (‘likes’, comentário e partilhas, recorde-se) por cada uma foi de 2844, bem acima das 719 interações médias da segunda página neste indicador. O que ambas as coisas significam é que a página da Direção-Geral da Saúde conseguiu comunicar com qualidade e eficácia durante a pandemia, algo que, aliás, pudemos comprovar nas repetidas vezes que as publicações desta página apareciam no ranking diário das mais populares entre os utilizadores.

Covid-19 no Twitter em Portugal

No Twitter, o assunto Covid-19 seguiu um padrão muito semelhante àquele que foi indicado para o Facebook, com um pico de interesse no inicio do mês de abril e uma tendência descrente desde aí, como se pode ver no gráfico abaixo, que identifica o total de menções por dia ao tema, em Portugal e em português. No entanto, diferentemente do Facebook, aqui é possível identificar um pico significativo de atenção logo no dia 3 de março, embora os dias com mais atividade sejam 12, 14 e 15 do mesmo mês (próximos ou acima dos seis mil tweets por dia).

No conjunto dos cinco meses entre 1 de março e 29 de julho, o Twitter português publicou 141935 tweets sobre a pandemia de Covid-19. Como se pode ver no quadro abaixo, a conta da Direção-Geral da Saúde no Twitter @dgsaude foi a mais citada (10557 tweets e retweets citaram-na, correspondendo a mais de 3,4 milhões de potenciais visualizações estimadas), seguida das contas do @vostpt, @govpt e @sicnoticias. No entanto nenhuma destas contas consegue ficar perto do alcance estimado da conta da DGS durante o período. O que permite concluir que também no Twitter a conta oficial daquela entidade desempenhou um papel importante na disseminação de informação sobre a Covid-19.
Quanto às hashtags mais usadas no conjunto dos 142 mil twets analisados, as identificativas da pandemia são as mais frequentes, com #covid19 e #covid19pt à cabeça, mas há a destacar também as hashtags #estamoson, #dgs e #ficaemcasa.

Por fim, é ainda possível isolar e comparar quais as palavras, hashtags e expressões mais usadas em todos os tweets publicados sobre a pandemia neste período. O grafismo em baixo dá conta dessa ‘nuvem de palavras’. Como podemos ver, para além das várias designações possíveis da doença, encontramos em destaque referências a “Portugal”, assim como à DGS ou ao SNS. Nos emojis, o mesmo, com destaque para a bandeira nacional, as mãos em oração e o próprio vírus.

[nota metodológica: dados recolhidos entre 1 de março de 2020 e 29 de julho de 2020 nas redes Facebook e Twitter, através das respetivas APIs. No caso do Facebook foi usada a ferramenta Crowdtangle, e no caso do Twitter recorreu-se à ferramenta Brandwatch Consumer Research. No caso do Facebook foram analisadas todas as publicações de páginas localizadas em Portugal e escritas em português que fizessem referência aos termos identificativos do tema Covid-19. Foram igualmente analisadas todas as publicações de um conjunto de 23 grupos públicos de Facebook dedicados à Covid-19, assim como todas as publicações de 31 páginas de Facebook de entidades oficiais ou semioficiais relacionadas com o combate, a informação e a investigação sobre a doença. No caso do Twitter, foram analisados todos os tweets oriundos de contas registadas em Portugal e expressas em português que contivessem as palavras-chave e as hastags relacionadas com o fenómeno pandémico. Os dados foram recolhidos e tratados pelo MediaLab CIES Iscte]

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